terça-feira, 16 de outubro de 2012

20 anos de peregrinação em defesa do rio São Francisco


Artigo de: Flaldemir SantAnna de Abreu - jornalista (Campina-SP) - 
Divulgação: Articulação Popular São Francisco Vivo




Acompanhando os largos passos do bispo Dom Luiz Cappio na sinuosa trilha na Serra da Canastra, seguia a ofegante peregrinação para reencontrar o coração de um rio ferido. A nascente do São Francisco que pulsa suas águas entre tufos de capim, acumula-se no charco, e segue o estreito córrego formando pequenas cachoeiras e piscinas naturais antes de despencar da altura de 186 metros na majestosa Cachoeira Casca d´Anta. Os turistas que subiam com seus veículos a íngreme e poeirenta trilha ficaram surpresos com disposição dos peregrinos e manifestaram solidariedade ao Frei Cappio, que realizou duas greves de fome (11 dias em 2009 e 24 dias em 2007) para defender a revitalização do rio e protestar contra o projeto da transposição das suas águas para os estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Este projeto amplia a concentração de extensas áreas de terra e grande volume de água para produção agroindustrial, causando graves impactos sociais e ambientais na região do Semiárido Nordestino.

Reencontro aos pés do Santo

A estátua do padroeiro dos animais no alto da Serra da Canastra está castigada pelo tempo, mas adaptada ao santuário ecológico que protege as nascentes do rio e animais ameaçados de extinção, como o pato mergulhão, lobo guará, tamanduá bandeira e tatu-canastra, além de uma variedade de veados, macacos, cachorro do mato, lontra e, por ser rota de aves migratórias, atrai diversas espécies de pássaros. Após 20 anos, Frei Cappio voltou com seus peregrinos aos pés da imagem do São Francisco para realizar uma emocionante celebração, recordando as pessoas que participaram na longa trajetória de resistência em defesa do rio, e as emoções da peregrinação até a foz do rio, realizada entre os dias de 4 de outubro de 1992 e 4 de outubro de 1993, acompanhado pelo sociólogo Adriano Martins, o lavrador e garimpeiro Orlando Araújo e a irmã franciscana Conceição Menezes.

Com a imagem de São Francisco Peregrino em suas mãos, Frei Cappio conduziu a comemoração dos “20 anos de Peregrinação” que teve início no dia 10 de outubro, em Belo Horizonte (MG), e foi encerrada no dia 12 em com a celebração de uma missa na parte baixa da escarpada encosta da Serra da Canastra, emoldurada pelo límpido filete de água da Cachoeira Casca d´Anta, cercada pelo verde cintilante das folhagens, ao som das águas batendo nas pedras e do canto dos pássaros.

São Francisco Vivo!

A peregrinação iniciada há 20 anos impulsionou mobilizações massivas nas cidades ribeirinhas pelo direito do povo pobre à terra e à água, e ganhou repercussão internacional com a realização de protestos, audiências públicas, seminários, exposições de fotos, lançamentos de livros, ações de preservação, debates públicos, marchas, ocupações, acampamentos e outras atividades que atraíram a atenção de milhares de pessoas em diversas cidades brasileiras contra o projeto de transposição das águas do São Francisco. A longa caminhada dos peregrinos do São Francisco segue na luta do povo ribeirinho pela vida do rio que está poluído pelo esgoto das cidades e indústrias, com as margens desmatadas, e sofrendo as consequências da exploração de atividades econômicas que provocam assoreamento, altera seu curso e reduz o volume das águas. Aos peregrinos juntam-se todos que defendem o acesso à água como um direito humano universal, garantido às próximas gerações, pois como definiu Dom Luiz Cappio: “o rio e povo são a mesma realidade, pois o sangue que corre na veia do povo é a água do rio São Francisco: se o rio estiver bem, saudável, o povo estará bem, saudável. Se o rio estiver doente, o povo estará doente. E se o rio vier a morrer, o povo morre com o rio”.