O cerrado
o mato
o
sebastião e seu irmão
irmãos de gema e sol
o
sebastião e seu irmão
dos passarinhos
ah, dos passarinhos que caçavam
na infância carregando a vida a fora
como se o destino não fosse determinado
nas crianças de pés de no chão
do sebastião e seu irmão
Desde cedo se adulterando ao destino criado
de uma infância que nunca chegaram a compreender
as caçadas, as caçadas que de caçadas em caçadas
se tornaram caçados como bandidos
que se veste de amarelo a mando do soldo
de capitalistas e fazendeiros
ah, como compreenderam os irmãos e pena
não atingissem os alvos principais
nos seus desesperos pelos matos e cerrados
seus alimentos de piriás, e como piriás se escondendo
e a gente boa do sertão
seus iguais, os peões, lavradores, gente simples
trazendo um copo de água, um prato de comida e munição
que a deles sozinha não fora o suficiente
ah, precisaria de mais e mais
de mais iguais na mesma razão
o mesmo amor pelas madrugadas fraternais
pelos caminhos que só as estrelas e o sol podem revelar
e os irmãos piriás lutaram como heróis
valentia incompreensível aos cientistas das misérias
com seus cães, helicópteros, rádios e fuzis
automóveis, bebedeiras e bacanais
ah, irmãos piriás
contra quem vocês estavam lutando
quando no mato cantavam cantigas caipiras bem baixinho
deixando marcas de sandálias de solas de pneus
rastro de suas ousadias, rastro de sangue
vingança infantil reveladas em tiros na testa
da maldade mais próxima, e o cansaço dos meses
de perseguição se fazendo sentir e à frente
foram indo, foram indo, foram indo,
que em suas companhias sem saber tinham outros irmãos
muitos irmãos heróis de favelas e cangaço
nos bordéis, botequins, fábricas e construções
torcendo pela suas vidas mesmo depois que a fuzilaria
odienta dos policiais os enviaram
à gloria do futuro
meus caros irmãos piriás !
(João Mutengo, em um longínquo
dia finalizando os anos 1970)