sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Zilah recebe Medalha Maria da Cruz - e compartilha com a Pastoral da Terra o reconhecimento!


Prezados Companheiros (as) de Caminhada !!

Foto de Valda Nogueira

Venho Agradecer a todos  que me ajudaram a refletir  sobre a importância da minha participação no evento das Festas do DIA DOS GERAIS dia 08 de Dezembro de 2013  no município de Matias Cardoso, Norte de Minas Gerais. 

No Cerimonial de Agraciamento e Homenagem  a pessoas ou instituições que tem contribuído para o desenvolvimento Social na região,  os homens receberam a    Medalha  MATIAS CARDOSO e as mulheres a  Medalha MARIA DA CRUZ. 

O meu nome foi indicado, entendi que esta Medalha não pertence somente a mim, mas, sim a esta Pastoral que  está a  serviço dos Camponeses  (as ) desta Minas Gerais e  do Brasil e  de tantas outras organizações e pessoas que apoiam e lutam em defesa do Direito e da Vida.  Sobretudo os Povos e Comunidades Tradicionais desta região Sanfranciscana Norte Mineiro. os Indígenas Xackriabás, Quilombolas,Geraizeiros, Pescadores, Veredeiros e Vazanteiros. 
Foto de Manoel Freitas

Por este motivo  quero  compartilhar com todos vocês.

Portanto, envio em anexo fotos dos evento.







História e consciência de classe no Alto Rio Pardo: trabalhadores e trabalhadoras rurais ressignificam o seu chão .

Cristina Rodrigues Fernandes 

                                                 Graduada em História – aluna da disciplina isolada Trabalhos e Movimentos Sociais 

PPGH / UNIMONTES - Trabalho de conclusão de curso – dezembro de 2013



As mudanças ocorridas no campo com a implementação da política de ampliação da fronteira agrícola no Norte de Minas, a partir dos anos 70, desorganizou as dinâmicas vigentes na região, modificando as formas de trabalhar, viver e se relacionar com a natureza de vários indivíduos, grupos e populações que ali viviam. Pretendo, neste artigo, apontar algumas alterações sofridas pela população rural, especificamente, pelo que hoje se denomina agricultura familiar do município de Rio Pardo de Minas, procurando analisar como essas mudanças foram vivenciadas no que se refere principalmente ao uso da terra, peça chave no entendimento desse processo de transformação. Assim, questiono até que ponto tais mudanças reforçaram ou não o sentimento de pertencimento desses grupos, do seu lugar, suas vivências e saberes, e quais estratégias emergiram na busca pela permanência dos seus modos de vida. Paralelamente, tentarei fazer uma reflexão desse evento sobre consciência de Classe, segundo abordagens de Thompson em Usos e costumes comuns. 
A trajetória histórica de uso da terra no Brasil é permeada por complexidade e conflitos oriundos da forma de apropriação. Renata Rastrelo e Silva (2009), citando João Pedro Stédile, chama a atenção para o sistema de Plantation adotado na colonização do Brasil. Os portugueses, durante a colonização, com o intuito de gerar lucros, montaram uma estrutura produtiva baseada nos interesses do capital mercantil, implantando no Brasil o sistema de organização da produção agrícola que “ficou conhecido como Plantation, cuja produção era totalmente orientada para a exportação utilizando da mão de obra escrava através do plantio de monoculturas em grandes fazendas” (RASTRELO E SILVA, 2009).
Como afirma Stédile, nesse momento da colonização, as terras mão eram vendidas, pois a Coroa Portuguesa dava aos colonizadores a sua posse delas para que estes pudessem produzir e gerar lucros. Somente em 1850, quando se promulgou a primeira Lei de  terras no Brasil, que a terra tornou-se mercadoria, ou seja, a partir daí ela passou a ser comercializada e para se tornar um proprietário de terras era preciso comprá-las, isso se deu porque,na iminência da abolição da escravidão, era preciso impedir que os homens que se tornariam livres adquirissem terras, visto que não tinham meios para isso, isto é, o dinheiro para comprá-las. (RASTRELO E SILVA, 2009 p. 143).
Manuel Correia de Andrade (1998) nos informa, no entanto, sobre a agricultura que também se estabeleceu nos primeiros anos de colonização nos interstícios da sociedade açucareira, mais orientada ao abastecimento interno. Segundo este autor, Duarte Coelho, em 1550, escreve uma carta ao rei de Portugal onde coloca a importância desta agricultura para o abastecimento dos que viviam na capitania:
Os mais ricos, montavam engenhos, outros plantavam canaviais, tornando-se lavradores que moíam suas canas nos engenhos dos primeiros, e outros, mais pobres, plantavam algodão e outros mantimentos que são a principal e mais necessária cousa para a terra (ANDRADE, 1998 p. 64).

É essa agricultura de produção de alimentos e de criação de gado que, ao confrontar o sistema de Plantation, perde suas áreas, paulatinamente, durante todo o século XVI e também durante o século XVII, e vai subindo o rio São Francisco. Caminhando à sombra dos currais, essa agricultura ocupava múltiplas e pequenas áreas em ambientes também muito diversos, nos locais mais úmidos e com solos mais favoráveis. Segundo Manuel Correia de Andrade, estudioso da geografia do Nordeste, “pequenas manchas, ilhas isoladas na vastidão das caatingas”. (LUZ DE OLIVEIRA et alii, 2011).           
Essa agricultura ganha novo reforço tanto com o declínio da mineração, como também  com a abolição da escravidão, onde uma parte da população de negros e mestiços se dirige para áreas não ocupadas pelos brancos, localizadas muitas dela no sertão brasileiro, uma vez que as terras próximas ao litoral estavam ocupadas com as culturas de exportação e essa população não tinha meios para se tornar proprietária de terras:
A longa caminhada para o interior, para o sertão, provocou a ocupação de nosso território por milhares de trabalhadores, que foram povoando o território e se dedicando a atividades de produção agrícola de subsistência. Não tinham a propriedade privada da terra, mas a ocupavam, de forma individual ou coletiva, provocando, assim o surgimento do camponês brasileiro e de suas comunidades” (RASTRELO E SILVA, 2009 p. 143, citando STÉDILE, 2005).
Com o passar do tempo, a pressão dos interesses do capital no campo foi aumentando, incentivando a adequação às suas regras, à lógica de obtenção de lucros, fato evidente entre as décadas de 1960 e 1980. Nesse período a agricultura brasileira como um todo foi estimulada a especializar a sua produção, inserindo-se cada vez mais no mercado. Rastrelo e Silva afirma que a posse da terra no Brasil é marcada pela proeminência dos interesses capitalistas do latifúndio e dos poderosos que detinham parte dela. Contudo, ressalta que as pessoas não são passivas, elas resistem, lutam contra a exploração, desigualdade, exclusão e assim a terra é um dos objetos dessa disputa. Para a autora, os movimentos de luta pela terra ocorridos nos anos 1950 foram reprimidos pelo golpe militar e a luta pela reforma agrária no Brasil, durante o regime militar, foi desqualificada, sendo associada ao comunismo. O que se colocava, então, como solução para os problemas relativos à terra, naquele momento, era a ocupação de outras regiões ainda pouco exploradas (SILVA & RASTRELO, 2009).
A geopolítica dos militares, que tomaram o poder através do golpe de 1964, estimulou a ação governamental de expansão da fronteira agrícola em direção ao norte do país e ao cerrado e, também, na transformação da base técnica da atividade agropecuária procurando, assim, não tocar na estrutura fundiária brasileira. A lógica era o plantio de monoculturas, fosse de grãos ou pastagens, em grandes propriedades e com a produção direcionada ao mercado externo, ficando conhecido como a modernização da agricultura.
Já nos anos de 1980 ocorre a retomada da discussão sobre a reforma agrária, consequência do modelo de desenvolvimento implantado pelos militares que se por um lado gerou o aumento da produtividade, por outro gerou vários problemas sociais e ambientais, como o êxodo rural, pela falta de condições de permanência no campo, intensificação da concentração fundiária, levando a vários conflitos pela posse da terra, (SILVA & RASTRELO, 2009) além do desmatamento generalizado das matas nativas, uso de agrotóxicos, contaminação das águas e dos solos. O que aconteceu também, de forma significativa em Minas Gerais e, em particular, no município de Rio Pardo de Minas, localizando na região Norte do Estado de Minas Gerais. Essa região também desenvolveu, ao longo dos séculos, uma agricultura que ficou à margem da lógica capitalista e onde hoje diversas comunidades tradicionais reconhecidas como geraizeiros vem emergindo na luta por direitos (NOGUEIRA, 2011, BRITO, 2006; DAYRELL, 1998).
Percebe-se que a terra torna-se um campo de disputa, palco de várias transformações e conflitos e, se muitas vezes, fazemos uma leitura unilateral dos fatos, vale ampliar a nossa lente e identificar um palco não hegemônico, seguido por ideologias diferenciadas. Pois, de acordo com Stuart Hall e Georges Rudé, a ideologia faz parte da vida do homem, em cada contexto.  Não tem como viver sem ideologia. Indivíduos que passaram pela experiência de perder sua terra, sua fonte de vida não se alienam aos ditames do opressor, reformulam quase que instantaneamente em um movimento de ir e vir, uma nova ideologia que se constituirá em consciência primeiro individual e mais tarde em consciência de classe[1].
Aqui no caso, a terra é fonte essencial de vida, por isso é disputada, ainda que nem sempre conquistada, mas é disputada por ter um significado particular para cada indivíduo e para um determinado grupo. Grupo de excluídos da terra, mas não excluídos de coragem, de consciência, de projeto, de uma ideologia, talvez ainda não manifesta, esperando que os processos históricos proporcione esta tomada de consciência de classe.
Thompson traz uma noção de classe em que a “consciência de classe” se baseia nos processos históricos vivenciados por cada indivíduo: classe é uma relação histórica, presente em pessoas e contextos reais”. Para Thompson, a classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências, sejam herdadas ou partilhadas, percebem seus interesses sendo confrontados com interesses que diferem ou se opõem aos seus (HOMENS NO TEMPO, 2011). Nesse caso, a consciência de classe unifica pessoas e acontecimentos distintos, tanto no que se refere “à experiência como à consciência”. E mais, se a experiência é determinada por fatores externos (especialmente as relações de produção) a consciência não o é, é fruto de um posicionamento que surge a partir da experiência que pode ser individual ou coletiva. Isso porque cada ser humano pode lidar com uma mesma experiência das mais variadas formas (um pode se entregar ao alcoolismo, outro a um fundamentalismo religioso, outro lutar para satisfazer seus interesses). Para Thompson, “classe não pode existir sem a consciência de classe. Então é necessário se compreender que a formação da classe depende tanto de aspectos objetivos (a experiência) como subjetivos (a consciência). (HOMENS NO TEMPO, 2011).
Deste modo, o presente artigo tem como pressuposto analisar as experiências vividas pelas populações das comunidades rurais de Rio Pardo de Minas no contexto das mudanças impostas pelo capital que os levaram a uma ação não passiva. Mudanças essas que aconteceram de forma significativa a partir dos anos 1970 e, principalmente na década de 1980. Ainda sem entenderem que o que estaria por vir, mas ao mesmo tempo sentindo as limitações que foram impostas aos seus espaços, não só físicos, mas também sociais, as famílias que ali viviam tiveram suas terras ocupadas por empresas de reflorestamento, fato que alterou de modo significativo toda uma estrutura de convivências, modos de vida, sistema de produção que perduraram por várias gerações. Diante dessa ocupação, as famílias se movimentaram a fim de garantir suas sobrevivências e conviver com aquelas mudanças.  Ainda que para algumas pessoas, tais mudanças anunciassem “progresso” e “desenvolvimento”. A convivência com estes interesses antagônicos, aos poucos foram fazendo perceber para quem era esse progresso e desenvolvimento, o sentimento de pertencimento a uma mesma classe foi aguçando, fazendo emergir várias estratégias de articulação, que expressava o fortalecimento daqueles grupos.
Assim, considero que talvez nesse momento de reconhecimento coletivo de prejuízo,  diante da situação de perda não só da terra, mas também de valores e referências, ocorreu uma identificação coletiva de “classe” ao perceberem que aquelas mudanças representariam para eles o comprometimento e  desorganização dos seus modos de vida e saberes. Isso os impulsionou a buscar alternativas, levou-os a repensar o que queriam e o que seria bom para eles. Nesse exercício de reflexão sobre o que era e não era importante, os grupos foram reafirmando os seus costumes e modos de vida, entendendo que aquele lugar a eles pertenciam ancestralmente. Talvez, esses grupos precisassem passar pela experiência de perda e alteração de seus valores e modos de vida, pare se reconhecerem enquanto grupo (que sofrem a mesma exploração), portanto classe, e no movimento de negação da exploração (da imposição do capital), tendo consciência do que não queriam , tenham atingidos, no dizer de Thompson, a consciência de classe. Consciência que os levou a uma maior organização e fortalecimento, que os permitiu traçar um plano de desenvolvimento para “seu lugar”, buscando apoios diversos na área jurídica e técnica, com instituições de ensino, pesquisa e extensão. Onde, uma organização sindical, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo, entra apoiando de forma ativa a luta pelos direitos territoriais das comunidades rurais. De tal modo, esta análise estabelece conexão com a reflexão feita por Thompson, em que “a classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiência comuns (herdados ou partilhados), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem ( e geralmente se opõem) dos seus (HOMENSNOTEMPO, 2011).
A região do Alto Rio Pardo no contexto da expansão da fronteira agrícola
Localizado no extremo norte de Minas Gerais, a região do Alto Rio Pardo tem uma história que, segundo Neves (1908), remonta os anos de 1553 quando da expedição portuguesa que adentrou o sertão norte do atual Estado de Minas Gerais, passando pela região do Alto Rio Pardo, denominada de “Expedição de Spinosa” que saiu de Salvador da Bahia. O Cônego Newton D’Ângelis (1998) informa que a ocupação colonial nesta região tem como precursor o bandeirante paulista Antonio Luis de Passos que, em 1698 recebeu da coroa portuguesa uma sesmaria de aproximadamente oitenta léguas, localizada entre os rios Pardo e Doce (D’Ângelis, 1998 v.II p.13). A partir de então, pessoas vindas de diferentes partes foram fixando residência na localidade, ocupando-se com as atividades de extração mineral, de criação de animais e de agricultura.
Segundo a historiadora Edneila Chaves, o deslocamento de garimpeiros de áreas diamantinas contribuiu também para ampliar o povoamento de Rio Pardo. Esses sofriam perseguições e, na tentativa de fuga da fiscalização pela Coroa Portuguesa, foram encontrando novas áreas para mineração. Outros vieram a se fixar como agricultores e criadores, atendendo a demanda por alimentos nas áreas de mineração da capitania. No inicio do século XIX, Rio Pardo já era um povoado que contava com seis mil habitantes, e que viviam principalmente da criação de gado, da plantação de algodão, arroz, mandioca e milho (Chaves, 2007).
Inicialmente Rio Pardo fazia parte de Minas Novas, sendo que em 10 de maio de 1757, D. João V desmembrou o arraial de Rio Pardo de Minas da Vila Jacobina, para anexá-lo à comarca de Serro Frio e ao governo de Minas Gerais. Em 1831, o município de Rio Pardo de Minas foi criado recobrindo o que hoje é identificada como a região do Alto Rio Pardo. Assim, nessa região administrativa de Minas Gerais, o município de Rio Pardo de Minas é o mais antigo, o maior em extensão, sendo atualmente um dos grandes produtores de carvão em função do grande estímulo governamental para o plantio da monocultura do eucalipto. Atualmente, após uma série de subdivisões municipais, conta com uma área de 3.129 km2 e administrativamente é dividido em dois distritos, o de Rio Pardo de Minas e o de Serra Nova. Segundo dados da fundação João Pinheiro, em 2000, a população total do município era de 27.237 habitantes, sendo 61% – 16.742 pessoas – residentes na zona rural (BRITO, 2006).
De acordo com dados da FUNASA, Rio Pardo de Minas conta com 5.529 famílias habitando a zona rural. Há uma característica regional norte - mineira vinculada à população, ou seja, a população rural é maior que a urbana. Somente nos municípios de Salinas e Taiobeiras, da região do Alto Rio Pardo, tem população urbana maior que a rural (BRITO, 2006).
Embora sendo um dos municípios que mais produz carvão no estado de Minas gerais (85.970 toneladas de carvão por ano, segundo o IBGE), não apresenta boas condições socioeconômicas, principalmente na zona rural. Isabel Brito, analisando esse contexto, afirma que o processo de expansão do capital alcançou o norte de Minas na segunda metade do século XX e não abriu mão do objeto essencial para instalação efetiva da lógica do capital, o domínio pelo capitalista dos fatores de produção. Ela cita a análise de Marx sobre este contexto do avanço da propriedade privada capitalista que, no caso do Norte de Minas, avançou sobre as comunidades que ali viviam:
A expropriação da massa do povo e de sua base fundiária constitui a base do modo de produção capitalista (...). O segredo descoberto no novo mundo pela economia do velho mundo e proclamando bem alto: o modo capitalista de produção e acumulação e, portanto, a propriedade privada capitalista exige o aniquilamento da propriedade privada baseada no trabalho próprio, isto é, a expropriação do trabalhador (BRITO, 2006 citando Marx, capítulo XXV).

As políticas que foram implantadas nesta região orientaram para a produção de um determinado bem, essencialmente voltando ao mercado, num processo de transformação que levaria, entre outras coisas, a expulsão das populações do campo e o aparecimento do trabalho assalariado. Tudo isso foi financiado pelo Governo do Estado que viabilizou a instalação dos empreendimentos capitalistas que determinaram a alteração econômica da região e definiu um novo papel no circuito nacional e internacional.
Por outro lado, conforme relata Brito, inicialmente com a comunidade de Vereda Funda e hoje em diferentes estágios em aproximadamente 20 comunidades da região, iniciou-se, a partir de 2003, um movimento das comunidades que se autointitulam como geraizeiras, um exemplo do que poderia ser uma reforma agrária, que se pauta pela justiça ambiental e a diversidade de saberes que compõem o mundo. (BRITO, 2011).
Segundo a autora, nessa região ocorre uma luta em que as comunidades evocam o vivido por esses grupos de famílias, sua história, identidade e as novas aprendizagens formuladas e reformuladas na luta pela terra, onde outros valores são levados em consideração. Não é uma ação espontânea, mas pensada, calculada e articulada que questiona a proposta de expansão das monoculturas para o Cerrado, de concentração de terras e de degradação socioambiental (BRITO, 2011).
Assim sendo, nesse recorte espacial e temporal busco refletir a região do Alto Rio Pardo como protagonista de uma autonomia socioeconômica, estabelecida ainda durante o período colonial com a região das minas.  Região que era intercâmbio de pessoas, mercadorias e costumes e se tornou uma área de intensa circulação comercial. Após o declínio da mineração, a expansão da cultura algodoeira nas áreas de caatinga passou a atender a demanda do desenvolvimento fabril, inicialmente pela Inglaterra (Séc. XIX), posteriormente pela indústria têxtil brasileira (Séc. XX). Essas dinâmicas de produção foram moldando as relações e o perfil das pessoas do lugar. O campesinato, nessa região, possuía terra mesmo que menos fértil do que da caatinga, mas contava com abundância de água, terras úmidas abastecidas pelas chuvas periódicas. A relação do camponês com o espaço em que vivia era de garantir o autossustento, utilizando-se dos vários espaços e paisagens para atender as suas necessidades desenvolvendo várias atividades agrícolas, extrativistas, criação de pequenos animais e pecuária, além da comercialização de alguns gêneros para aquisição de ferramentas e artigos escassos no lugar.   
Estudos apontam que a noção de propriedade baseava-se na necessidade das pessoas e na característica natural do ambiente. Brito, analisando a Comunidade de Vereda Funda, em Rio Pardo de Minas, afirma que as pessoas do lugar desenvolveram o conhecimento do potencial de cada ambiente, do espaço que ocupavam e da relação entre esses ambientes para viabilizar o modo de vida cujas necessidades básicas eram água, terra para o cultivo das roças, pomar e moradia, solta para a criação do gado com o  extrativismo da lenha, madeira e frutas nativas. Os recursos necessários para garantir as necessidades básicas eram acessíveis a todos os membros, tendo usos que eram de domínio familiar, outros de domínio coletivo, sempre no intuito de atender as necessidades das famílias.  Parte da produção era beneficiada,a produção da farinha era a atividade mais tradicional da comunidade. As casas de farinha utilizaram da roda d’àgua para movimentarem as engenhocas que beneficiavam a mandioca, a cana de açúcar e o café. Parte da produção de rapadura, farinha e café da comunidade era transportada por tropas e comercializada nos municípios de Serranópolis, Porteirinha, Monte Azul e, até mesmo, em Montes Claros (BRITO, 2006).
Isabel Brito analisa o modo de vida das famílias nessa comunidade. Segundo a autora,  a família consistia numa unidade produtiva que se relacionava dinamicamente com outras famílias, os laços eram muito fortes e explícitos assim como os laços de solidariedade e parentesco. A atividade pastoril também foi muito forte na comunidade e moldou costumes e tradições.  Eram comuns os passeios aos domingos na casa das famílias, onde se rezava, cantava, dançavam, jogam versos etc. Também era muito comum a prática de mutirões para limpa da roça, colheita, construções de casas, capelas, etc. E nas festas religiosas, barraquinhas e leilões (BRITO, 2006). Essas dinâmicas de reciprocidade relatadas pela autora, representam um conjunto de usos e costumes que contribuíam para o sentimento de pertença, de segurança que a vida em comunidade traz, e nos fazem lembrar as descrições de Thompson sobre os usos e costumes da plebe na Inglaterra do Séc. XVIII (THOMPSON, 1998).  
A partir da intervenção do estado, com a política de expansão da fronteira agrícola, no município ocorreu toda uma alteração nos usos e costumes, descritos. O que tinha força de Lei pelo costume ao longo de gerações, descritos acima, foram significativamente alterados, comprometendo o modo de vida da comunidade. A partir da entrada da monocultura do eucalipto, a produção fica comprometida. Então, muito jovens, pais de famílias recém-constituídas, são obrigados a saírem para trabalhar fora, a procura de trabalho, dispersam-se do convívio familiar e se submetem à lógica do trabalho assalariado, seja nas empresas de eucalipto ou indo trabalhar em outras regiões, como Sul de Minas ou de São Paulo. Segundo relatos, quando retornam trazem costumes muito diferentes dos hábitos tradicionais. Nisso verifica-se a vulnerabilidade da comunidade, que passa a contar com novos hábitos e comportamentos estranhos às pessoas do lugar, comprometendo as práticas e vivências de outrora. As empresas tomaram áreas que eram para solta do gado, coleta de frutas, madeira e lenha. Essas áreas foram ocupadas pelo plantio de monoculturas, atualizando o sistema de plantation em pleno século XX, deixando famílias inteiras espremidas nas beiras dos córregos. Alterações ocorreram também na periodicidade das festas, que passaram a aguardar a volta dos parentes das colheitas do café, ou do corte de cana. 
A dinâmica capitalista desarranjou uma dinâmica tradicional que ali vigorava, aquilo que tinha força de lei pelo costume, foi desconsiderado em nome da modernização e do progresso que sustentava o avanço do capitalismo nesta região. Por outro lado,  possibilitou também o amadurecimento político daqueles grupos. A partir da exploração da empresa, da degradação dos recursos de cuja vida eles dependiam, o povo foi se autoafirmando enquanto donos daquelas terras, percebendo que aquele jeito de trabalhar, viver e de se relacionar com a natureza que haviam mantido até a chegada da empresa era o modo de vida deles. Eles não sabiam viver de outra maneira, o que sabiam foi passado de geração para geração, muitas vezes através da oralidade, das histórias dos mais velhos, através de cantigas, receitas culinárias, do uso dos remédios, na prática de benzeção, nas brincadeiras, nas rezas e em formas de sociabilidade. E  não estavam dispostos a abrir mão desse jeito de viver por nenhuma razão.  Ponto que desejo evidenciar neste estudo: como é possível uma comunidade sofrer impactos sociais e ambientais tão severos e, mesmo assim, não ceder, não “abaixar a cabeça”? Como ainda mantêm vivas as práticas e valores que são a base de seus  modos de vidas em meio a todo aquela desorganização provocada pela chegada das reflorestadoras? O que os sustentaram? Que pilar é esse que a cartilha do Capital não deu conta de sobrepor, muito pelo contrário, reforçou e reafirmou sentimentos de pertencimento e identificação de grupos? Tais questionamentos nos remetem a Thompson em Costumes e usos comuns, em que mostra como ocorreu o enfrentamento entre a economia de mercado, que floresceu com o avanço das relações sociais capitalistas, e a economia moral da plebe, baseada nos costumes. De um lado colocavam-se os arautos da economia liberal, segundo a qual tudo deveria ser devotado ao lucro, do outro colocava-se a plebe, cujo modo de vida estava calcado na observância de certos costumes e de certa moralidade, que se chocam (HOMENSNOTEMPO, 2011).

Considerações finais
Atualmente, na região do Alto Rio Pardo, diversas iniciativas de enfrentamento ao avanço do capitalismo no campo têm como pano de fundo estratégias que reafirmam saberes e vivências. Pergunto-me se essas iniciativas têm relação com os estudos de Thompson sobre Costumes em Comuns onde ele aponta, na Inglaterra do Século XVIII, como “a tenacidade com que sujeitos impertinentes e despeitados obstruíam os cercamentos por acordo, resistindo até o fim em favor da antiga economia baseada nos costumes” (THOMPSON, 1998 p.95).
Vimos que na região do Alto Rio Pardo ocorreu um impacto significativo nas relações de trabalho, onde os agricultores tradicionais se viram obrigados a se tornarem empregados de empresas reflorestadoras, em fazendas de cana-de-açúcar ou de café, diante das escassas possibilidades de sustento das suas famílias. Isso alterou muito o quadro social, pois onde antes não havia empregado fichado em firma, agora havia empregado fichado, porém alijado de seus direitos territoriais. Assim entra em cena uma organização sindical que passa apoiar a luta pelos direitos das famílias a ela associadas.
Vimos também que, entre as consequências dessas transformações, ocorreram diversas tensões em função do esfacelamento das famílias, comprometendo tanto a identidade como as relações históricas de reciprocidade. Por outro lado, a resistência aí verificada, o enfrentamento realizado de forma organizada e pensada pelas famílias e suas organizações têm relação com os estudos de Thompson, que se volta para séc. XVIII, para mostrar como ocorreu o enfrentamento entre a economia de mercado que floresceu  com o avanço das relações sociais capitalistas, e a economia moral da plebe, baseada nos costumes. Tendo de um lado os arautos da economia liberal, segundo a qual tudo deveria ser devotado ao lucro, e do outro a plebe, cujo modo de vida estava calcado na observância de certos costumes e de certa moralidade, que se chocam (Thompson, 1998).
Em que medida as lutas das comunidades geraizeiras do Alto Rio Pardo e, em particular da Comunidade de Vereda Funda no enfrentamento de poderosas empresas ligadas ao complexo mineral siderúrgico, pode ser considerada como locus de consciência de classe ?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 6 ed. – Recife: Editora Universitária da UFFPE, 1998.

BRITO, Isabel Cristina Barbosa de. Comunidade, Território e Complexo Florestal
Industrial: o caso de Vereda Funda, Norte de Minas Gerais. Dissertação de Mestrado. Montes Claros, MG:UNIMONTES / PPGDS, 2006.


BRITO, Isabel Cristina Barbosa de. O Ecologismo dos Gerais – in Povos e comunidades tradicionais no Brasil. Organizadores, Dieter Gowora e outros. Montes Claros: UNIMONTES, 2011.


CHAVES, Edneila Rodrigues. Identidades Culturais na América Portuguesa. Associação Nacional de História – ANPUH - XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007

D’ÂNGELIS, Newton – Efemérides Riopardenses 1698 – 1972 Rio Pardo de Minas. V.I, II, III e IV. R&S Arte Gráfica, Salinas. 1998.


DAYRELL, Carlos Alberto – Gerazeiros y Biodiversidad en el Norte de Minas Gerais: la contribuición de la agroecologia e de la etnoecologia en los estudios de los agroecossistema. Huelva: Universidad Internacinal de Andalúcia, 1998. (Dissertação de Mestrado).


LUZ DE OLIVEIRA, Claudia et alii – Economias invisíveis e comunidades tradicionais no Norte de Minas in Povos e comunidades tradicionais no Brasil / Org. Dieter Gawora, Maria Helena de Souza Ide, Rômulo Solares Barbsosa. – Montes Claros: Unimontes, 2011.

NOGUEIRA, Mônica. Povos do Cerrado: Características Gerais e Desafios Comuns – in Povos e comunidades tradicionais no Brasil. Organizadores, Dieter Gowora e outros. Montes Claros: UNIMONTES, 2011.

NEVES, Antonio da Silva. Chorographia do Município de Boa Vista do Tremendal – Estado de Minas Geraes. Belo Horizonte: Revista do Arquivo Público Mineiro. 1908.


RASTRELO E SIL,VA Renata – Eu vivi fazendo aquilo que eu gosto – Proprietários rurais do distrito de Martinésia (Uberlândia –MG) vivenciando as transformações no campo – in História e Perspectivas, Uberlândia (41): 141-186, jul. dez. 2009.

THOMPSON, E.P. Costumes em Comum. São Paulo: Cia das letras, 1998.

Acessado na Internet:



[1] Rejane Meireles em sala de aula, UNIMONTES, 2013.
Agradecimento especial a Márcia Valéria Reis pela correção e sugestões.
Foto de Helen Santa Rosa - CAA NM

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O CAMINHO É ESTE!


. . .por aqui passava a antiga estrada catingueira
Carlos Alberto Dayrell - Pesquisador CAANM 

No dia 09 de novembro de 2013, a Comunidade Geraizeira do Moreiras deu continuidade na demarcação do território tradicional seguindo a margem da antiga estrada catingueira, exatamente a partir do mourão onde, em 1983, o geraizeiro João Domingos Cantuária cravou um poste. Quando o fez, foi a forma que encontrou para dizer para a firma Embaúba Florestal que, dali para frente, ela não podia avançar. Mas a frente de desmatamento já tinha circulado as nascentes de São Camilo, Mata Cantinho, Jambreiro, Vereda da Onça, Moreiras e Brejo do Meio, locais onde viviam centenas de famílias. O desmatamento, realizado com enormes correntões, destruiu os cerrados tradicionalmente utilizado pelos geraizeiros para solta dos animais, coleta de frutas nativas, lenha e plantas medicinais. Destruiu os caminhos que ligavam as comunidades entre si e, pior, cortou a antiga estrada por eles denominada de Catingueira ou Baiana, estrada que, durante quase três séculos, era o caminho que ligava as regiões de gerais com a caatinga, intensamente utilizada pelos moradores, com suas tropas de burro. Por estas estradas os produtos dos gerais e da caatinga circulavam, levando café, feijão, arroz, farinha, goma, rapadura, cachaça, óleo de piqui, frutos nativos, ou trazendo tecidos de algodão, carne de sol, requeijão, sal e querosene.

São dez horas da manhã do dia 09 de novembro de 2013. José Antonio, filho mais velho de João Domingos, orienta então onde o primeiro marco do processo de retomada do território deve ser cravado: bem ao lado do moirão, onde o seu pai, em 1983, enfrentou então, sozinho, a poderosa Embaúba Florestal. Pede para o jovem Tiago cravar o piquete, ajudado pelo pequeno Tailon, seu irmão com apenas 10 anos de idade. Neste dia, ao contrário da resistência isolada de João Domingos Cantuária, é quase uma centena de pessoas que, após reunirem na igrejinha da comunidade, subiram até a chapada para dar início à autodemarcação. Jovens, idosos, crianças, mulheres, adultos, todos participam da autodemarcação. Vão dar continuidade também à ação que fizeram, no dia 11 de setembro, dia do cerrado. Neste dia a comunidade em peso subiu até a chapada para impedir a tentativa de cercamento de uma porção desta área por uma empresária de Montes Claros. Impediram a cerca e mandaram um recado à empresa de reflorestamento da GERDAU que também plantou a monocultura de eucalipto no Território do Moreiras: esta área agora vai ser recuperada, protegida pela comunidade, não deixarão mais gente de fora mexer na área. E tem muitos motivos.


No final dos anos 1970 e início dos anos 1980 o governo do estado de Minas Gerais arrendou ou alienou, de forma arbitrária, quase um milhão de hectares de terras na região Norte de Minas Gerais e no Vale do Jequitinhonha. Ignorou que nestas regiões viviam milhares de famílias camponesas e, através do Programa Pólos Florestais, com incentivos financeiros e fiscais do FISET e da SUDENE, estimulou o plantio em larga escala da monocultura do eucalipto. No caso das chapadas do Moreiras, a empresa beneficiada foi a Embaúba Florestal S.A. Os correntões deitaram os cerrados, as terras foram gradeadas, o eucalipto plantado, os carreadores, sempre limpos, entupiram as nascentes que formam o Córrego Moreiras, afluente do rio São Gonçalo, cabeceiras do Rio Pardo. Das 17 nascentes em torno das chapadas, apenas duas continuavam mantendo a força de suas águas, sendo que nove foram consideradas mortas, segundo estudos realizados na comunidade em 2011. As chácras de café e o plantio de cana e de feijão foram afetadas pelo secamento, o cultivo do arroz foi abandonado. Em muitos locais, subsiste apenas o plantio de mandioca, cultura mais resistente à seca. A Embaúba Florestal repassou a terra para a Empresa Gerdau que repetiu o plantio, mas, segundo os geraizeiros, a comunidade vai permitir apenas que a Gerdau corte o eucalipto. E não querem mais que ela mecha no lugar.

A retomada continuou com a autodemarcação da chapada, seguindo a antiga estrada catingueira. Embora as plantações da monocultura em 30 anos tenham apagado os rastros da antiga estrada, os geraizeiros apontavam em meio aos eucaliptos, onde a estrada passava com ssuas curvas, como que gravados na memória de tantas idas e vindas em direção aos municípios de Mato Verde e Porteirinha.  Foi assim que os pontos seguintes foram cravados, revezando entre os seus membros, passando por José Antonio, Ronildo, pelas jovens Ana Flavia e Flavia, esta última representante da Terra Indígena Xakriabá, e continuou com o Sr. Antonio, um dos anciões da comunidade, com o Veraldino finalizando então com o mais jovem, o Tailon. Os seguranças da Gerdau tentaram impedir, mas a comunidade os ignorou, da mesma maneira que as firmas ignoraram os geraizeiros na década de 1980.

A comunidade do Moreiras não estava sozinha, contou com a presença de jovens rurais oriundos de comunidades quilombolas, vazanteiras, geraizeiras, catingueiras e indígenas de municípios do Norte de Minas e do Sudoeste da Bahia, além de outras organizações como o STR de Rio Pardo de Minas, Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, MPA, MST, CEAS, Movimento Geraizeiro, entre outras. 

Ao final, de braços dados, o território autodemarcado foi abençoado pelas referencias espirituais da comunidade do Moreiras.




Rio Pardo de Minas, ao doze de novembro de 2013
Fotos de Eliseu Oliveira













Retornando para as casas ...