sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O CAMINHO É ESTE!


. . .por aqui passava a antiga estrada catingueira
Carlos Alberto Dayrell - Pesquisador CAANM 

No dia 09 de novembro de 2013, a Comunidade Geraizeira do Moreiras deu continuidade na demarcação do território tradicional seguindo a margem da antiga estrada catingueira, exatamente a partir do mourão onde, em 1983, o geraizeiro João Domingos Cantuária cravou um poste. Quando o fez, foi a forma que encontrou para dizer para a firma Embaúba Florestal que, dali para frente, ela não podia avançar. Mas a frente de desmatamento já tinha circulado as nascentes de São Camilo, Mata Cantinho, Jambreiro, Vereda da Onça, Moreiras e Brejo do Meio, locais onde viviam centenas de famílias. O desmatamento, realizado com enormes correntões, destruiu os cerrados tradicionalmente utilizado pelos geraizeiros para solta dos animais, coleta de frutas nativas, lenha e plantas medicinais. Destruiu os caminhos que ligavam as comunidades entre si e, pior, cortou a antiga estrada por eles denominada de Catingueira ou Baiana, estrada que, durante quase três séculos, era o caminho que ligava as regiões de gerais com a caatinga, intensamente utilizada pelos moradores, com suas tropas de burro. Por estas estradas os produtos dos gerais e da caatinga circulavam, levando café, feijão, arroz, farinha, goma, rapadura, cachaça, óleo de piqui, frutos nativos, ou trazendo tecidos de algodão, carne de sol, requeijão, sal e querosene.

São dez horas da manhã do dia 09 de novembro de 2013. José Antonio, filho mais velho de João Domingos, orienta então onde o primeiro marco do processo de retomada do território deve ser cravado: bem ao lado do moirão, onde o seu pai, em 1983, enfrentou então, sozinho, a poderosa Embaúba Florestal. Pede para o jovem Tiago cravar o piquete, ajudado pelo pequeno Tailon, seu irmão com apenas 10 anos de idade. Neste dia, ao contrário da resistência isolada de João Domingos Cantuária, é quase uma centena de pessoas que, após reunirem na igrejinha da comunidade, subiram até a chapada para dar início à autodemarcação. Jovens, idosos, crianças, mulheres, adultos, todos participam da autodemarcação. Vão dar continuidade também à ação que fizeram, no dia 11 de setembro, dia do cerrado. Neste dia a comunidade em peso subiu até a chapada para impedir a tentativa de cercamento de uma porção desta área por uma empresária de Montes Claros. Impediram a cerca e mandaram um recado à empresa de reflorestamento da GERDAU que também plantou a monocultura de eucalipto no Território do Moreiras: esta área agora vai ser recuperada, protegida pela comunidade, não deixarão mais gente de fora mexer na área. E tem muitos motivos.


No final dos anos 1970 e início dos anos 1980 o governo do estado de Minas Gerais arrendou ou alienou, de forma arbitrária, quase um milhão de hectares de terras na região Norte de Minas Gerais e no Vale do Jequitinhonha. Ignorou que nestas regiões viviam milhares de famílias camponesas e, através do Programa Pólos Florestais, com incentivos financeiros e fiscais do FISET e da SUDENE, estimulou o plantio em larga escala da monocultura do eucalipto. No caso das chapadas do Moreiras, a empresa beneficiada foi a Embaúba Florestal S.A. Os correntões deitaram os cerrados, as terras foram gradeadas, o eucalipto plantado, os carreadores, sempre limpos, entupiram as nascentes que formam o Córrego Moreiras, afluente do rio São Gonçalo, cabeceiras do Rio Pardo. Das 17 nascentes em torno das chapadas, apenas duas continuavam mantendo a força de suas águas, sendo que nove foram consideradas mortas, segundo estudos realizados na comunidade em 2011. As chácras de café e o plantio de cana e de feijão foram afetadas pelo secamento, o cultivo do arroz foi abandonado. Em muitos locais, subsiste apenas o plantio de mandioca, cultura mais resistente à seca. A Embaúba Florestal repassou a terra para a Empresa Gerdau que repetiu o plantio, mas, segundo os geraizeiros, a comunidade vai permitir apenas que a Gerdau corte o eucalipto. E não querem mais que ela mecha no lugar.

A retomada continuou com a autodemarcação da chapada, seguindo a antiga estrada catingueira. Embora as plantações da monocultura em 30 anos tenham apagado os rastros da antiga estrada, os geraizeiros apontavam em meio aos eucaliptos, onde a estrada passava com ssuas curvas, como que gravados na memória de tantas idas e vindas em direção aos municípios de Mato Verde e Porteirinha.  Foi assim que os pontos seguintes foram cravados, revezando entre os seus membros, passando por José Antonio, Ronildo, pelas jovens Ana Flavia e Flavia, esta última representante da Terra Indígena Xakriabá, e continuou com o Sr. Antonio, um dos anciões da comunidade, com o Veraldino finalizando então com o mais jovem, o Tailon. Os seguranças da Gerdau tentaram impedir, mas a comunidade os ignorou, da mesma maneira que as firmas ignoraram os geraizeiros na década de 1980.

A comunidade do Moreiras não estava sozinha, contou com a presença de jovens rurais oriundos de comunidades quilombolas, vazanteiras, geraizeiras, catingueiras e indígenas de municípios do Norte de Minas e do Sudoeste da Bahia, além de outras organizações como o STR de Rio Pardo de Minas, Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, MPA, MST, CEAS, Movimento Geraizeiro, entre outras. 

Ao final, de braços dados, o território autodemarcado foi abençoado pelas referencias espirituais da comunidade do Moreiras.




Rio Pardo de Minas, ao doze de novembro de 2013
Fotos de Eliseu Oliveira













Retornando para as casas ...






Um comentário:

Carlos Dayrell disse...

Este foi um dia especial!