Aos meus
irmãos, irmãs, sobrinhos e sobrinhas!
Se vó Dochinha estivesse aqui,
certamente se posicionaria contra estas atrocidades,
independente da inclinação política, tem um limite a violência,
e vó Doxinha sempre foi do amor, não há dúvidas disso
Estão vendo nós, que desde muito
nos dispusemos a defender a “vida em primeiro lugar” como ameaça.
Estão vendo nós, que estamos juntos
às comunidades que sempre viveram à margem, e que puderam sentir o gosto de serem
tratadas como cidadãs, como cidadãos, como ameaça.
Estão vendo nós, que sempre
denunciamos a degradação em larga escala de nossos ecossistemas, das matas, dos
cerrados, das veredas, das caatingas e das águas associadas a estes biomas,
como ameaças.
Estão vendo nós, que desde sempre
estamos ao lado dos povos e comunidades que conseguiram feitos históricos de
convivência com estes ecossistemas e biomas, como ameaças.
Estão vendo as lideranças que
surgiram destes movimentos que pregam o “Bem Viver”, como ameaças.
Tem muita gente que diz que é brincadeirinha,
mas quando a ameaça chega à caixa de correio com uma mensagem de duas mãozinhas
em forma de arma dizendo que o dezessete vem aí, para “se cuidar”, então esta
que poderia ser brincadeirinha, não está sendo assim traduzida por aqueles que
sempre nos veem como uma ameaça.
Estamos vivendo tempos que
precisamos engolir espinhos. O meu já está na goela e não tenho
dúvidas que vou engolir. Vou votar no Anastasia para governador, o mesmo que se
juntou com o Aécio, o playboy de Ipanema, o que não teve a hombridade de aceitar
o resultado das eleições e se envolveu na grande onda que criou o antipetismo
e, assim, conseguiu a deposição de Dilma como presidenta legitimamente eleita.
Pois vou votar no Anastasia, o mesmo que teve o descaramento de, como relator,
elaborar o voto pelo impedimento de Dilma Rousseff utilizando de justificativas
jurídicas fantasiosas que ele mesmo descumpriu.
Vou votar no Anastasia porque sei
que o outro candidato está no mesmo barco que o do 17. E do candidato 17, este
que você não precisa inventar mentiras para saber o que ele pensa ou como ele
age. O que ele pensa e defende não precisa ser inventado, pois sai de sua própria
boca, não sai de reportagens ou imagens maquiadas. É de sua própria boca. Como a
que escutei hoje cedo, tipificando os que lutam pelos direitos como
terroristas, e que vai colocar as forças policiais nos nossos lombos. Se não
estivermos satisfeitos, que rumemos para outros países.
Em 1964, com onze anos de idade, eu
não escutei estas palavras, mas fui surpreendido na madrugada de uma manhã,
quando estava internado no Seminário Pio XII, em Sete Lagoas, com os militares
que lá adentraram para prender o Padre Jorge, acusado de ser comunista. Ele
ficou quase seis meses preso e no ano seguinte o seminário foi fechado e os
padres espanhóis dispersados. Quando de 1965 a 1968, entre a nossa mudança para
Belo Horizonte e depois retornando para Sete Lagoas, lembro de nossa mãe
cedinho rezando para que seus filhos não fossem presos pois estavam envolvidos
em manifestações contra a milícia montada que avançava contra as barricadas construídas
pelos estudantes que lutavam denunciando a ditadura militar. Reagiam com pedras
e bolinhas de gude à força das armas e da cavalaria.
Já, nos anos 1970, quando Juarez adentrou
pelo Mato Grosso para trabalhar com D. Pedro Casaldáliga, na prelazia de São
Felix do Araguaia, nossa mãe saiu de Sete Lagoas para ir defender o Juarez,
nosso irmão, ameaçado. Ameaçado por quem? Pelos policiais comprometidos com os
interesses dos latifundiários e grandes empresários que estavam massacrando os
posseiros que lutavam pelo direito à terra. Esta mesma mãe que, junto com o
nosso irmão Gegê, movimentou Deus e o mundo para que eu fosse transferido da
UFRGS para a UFV, inclusive com um detalhe que só muito recentemente Dilza me
contou, o esforço que fizeram para limpar a minha ficha no Dops, em função do
IPM que foi montado pelo caso da “árvore”. Foi só depois, com a “ficha limpa”,
é que foi possível a minha transferência para Viçosa e lá poder terminar o
curso de agronomia.
Percorro uma parcela de nossa
história, da história de nossa família, para lembrar a trajetória de posicionamento
social e político e não precisarmos de nos desculpar mais à frente, ou achar
uma desculpa conveniente quando não se puder mais voltar atrás, ou mesmo dizer
que não tem culpa pelo que aconteceu, quando a violência prosperar sem medida,
a repressão perder o controle sobre os militares e sobre os militantes da
extrema direita. A ameaça que eles fazem hoje nas escondidas pode ser um prélio do
que pode vir a acontecer.
Já estamos quase que num caminho
sem volta, beirando a guerra civil, pois fomos jogados em um extremismo sem
controle. Acionados por um antipetismo que beira a raia da irracionalidade. E
sabemos de onde vem este antipetismo. Uma parcela deles não tem como alterar,
pois foram gentes nossas que tiveram suas mentes manipuladas pela inteligência
artificial, pela guerra digital que captou seus temores, seus desejos e suas “desilusões”,
as transformando em raiva, em ódio, na construção de uma crença de que precisam
mesmo de varrer os petistas do planeta. Mas outra não, outra parcela são de
gentes que discordam de fundo com as políticas do PT, inclusive as de inclusão
social, ou de gentes que não aceitaram o fato de uma parcela do PT ter entrado
na mesma onda daqueles que sempre combatemos, se conspurcando com o regime
posto, afirmando que os fins justificam os meios.
É para estes que dirijo esta
mensagem. Assim como estou a engolir um espinho de baleia votando no Anastasia
para governador, peço que reflitam sobre a consequência do voto no 17 para
presidente. Se o espinho for grande demais, então pelo menos vote em branco ou
anule o voto. Menos mal, mas vivemos um tempo que não se pode ficar em cima do
muro. A votação é mais que no PT, é votação para mantermos o regime democrático
ameaçado por setores corporativos entre estes, os ligados à segurança, ao
armamentismo, o sistema financeiro e o grande capital que quer explorar a
totalidade de nossa natureza vista apenas como recursos.
Indiferente dos resultados, vamos
viver tempos muito difíceis, tempos onde a única arma de força que temos para
ser acionada é a do amor e a da paz. Mas, se a eleição confirmar o 17, aí a
volta, se é que seja possível, só vai acontecer com muito sofrimento. E este
sofrimento não vai ficar, como até então sempre aconteceu, sentido apenas pelas
classes populares. Todos vamos sentir, de uma forma ou de outra. Ainda é tempo.
Termino pensando aqui comigo se nossa mãe tivesse viva, se ela pudesse dizer
alguma coisa para nós, filhos, netos e bisnetos, como ela se posicionaria
frente às ameaças que se prenuncia. Ouvi de um dos meus filhos que, “independente
da inclinação política, tem um limite que é a violência, e vó Doxinha sempre
foi do amor, não há dúvidas disso”.
Com muito carinho,
do
tio Carlinhos
Montes Claros, no dia 22 de
outubro de 2018
2 comentários:
A familia Dayrell sempre esteve presente na minha vida. Primeiro com o Gegê, trabalhamos juntos no Banco Mineiro Oeste, e a quem eu devo parcela do meu sucesso profissional no Banco, pela sua ajuda, seu trabalho primoroso e sobretudo pela sua lealdade. Depois, conheci D. Dochinha e seu esposo Geraldo, quando foram a Porto Alegre visitar o filho. Na ocasião minha esposa estava para dar a luz ao meu primeiro filho, Armando. D. Dochinha foi a pessoa que assistiu minha esposa em todo o trabalho de parto e foi quem carregou o Armando pela primeira vez e me passou aos braços. Depois foi a sua presença, Carlos, que nos mostrou até onde vai e segue a vontade em defesa do que se entende por direito e racionalidade. O caso da árvore em Porto Alegre, em plena ditadura, foi emblemático. A árvore que seria sacrificada para construção de um viaduto, no centro da cidade, foi protegida pela a ação do Carlos Dayrrel, que ao escalá-la, impediu o seu corte. Foi notícia nacional. A árvore ainda permanecia ali, até pouco tempo. Creio que ainda está lá, dando sombra e consolo aos que padecem, como dizia o poeta Bilac. Também conheci Ondina, figura humana e solidária, assim como sua mãe. Portanto, uma família exemplar, defensora dos valores cristãos e democráticos! Arnaldo Ziller
Parabéns Carlos Dayrell. Fui pra Sete Lagoas em 1985. Conheci D.Doxinha no restaurante. Até sua partida deste mundo,sempre ia ao restaurante e em sua casa. Conheci vários irmãos e irmãs. Fui com sua mãe na defesa tese do Juarez na UFMG. Estudei em Viçosa tb. Abraço.
Postar um comentário